Selecionamos um fragmento do discurso do Papa Paulo VI aos casais, realizado no dia 4 de Maio de 1970 ressaltando a importância do matrimônio.
(...) Muitas vezes a Igreja pareceu, sem razão, suspeitar do amor humano. Também vos queremos dizer hoje claramente: não, Deus não é inimigo das grandes realidades humanas e a Igreja não desconhece os valores quotidianamente adquiridos por milhões de lares. Pelo contrário, a boa-nova trazida por Cristo Salvador é uma boa-nova para o amor humano, também ele excelente nas suas origens — « Deus, vendo toda a Sua obra, considerou-a muito boa » (Gên 1,31) —, também ele corrompido pelo pecado, também ele remido ao ponto de se tornar, pela graça, meio de santidade.
Como todos os batizados, vós fostes, realmente, chamados à santidade, segundo o ensinamento da Igreja, solenemente reafirmado pelo Concílio (cfr. Lumen Gentium, n. 11). Mas deveis dirigir-vos a ela com o vosso modo próprio, na vossa e pela vossa vida de família (Ibid. n. 41). E a Igreja que no-lo ensina:
« Os esposos, tornados capazes
pela graça de levar uma vida santa»
(Gaudium et Spes, n. 49 § 2)
e de fazer o seu lar «como santuário familiar da Igreja» (Apostolicam Actuositatem, n. 11). Estes ensinamentos, cujo esquecimento é tão trágico para o nosso tempo, são-vos certamente familiares. Gostaríamos de meditar neles juntamente convosco, por alguns instantes, para reforçar ainda em vós, se for necessário, a vontade de viver generosamente a vossa vocação humana e cristã no matrimónio (cfr. Gaudium et Spes, nn. 1, 47-52), e de colaborar com o grande desígnio de amor de Deus no mundo, de se formar um povo « para o louvor da sua glória » (Ef 1, 14).
Como a Sagrada Escritura nos ensina, o matrimónio, antes de ser um sacramento, é uma grande realidade terrestre: «Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher» (Gên 1, 27). É preciso recordar todos os dias esta primeira página da Bíblia, se quisermos compreender o que é, o que deve ser um casal humano, um lar. As análises psicológicas, as pesquisas psicanalíticas, os inquéritos sociológicos e as reflexões filosóficas poderão, sem dúvida, contribuir para dar esclarecimentos sobre a sexualidade e sobre o amor humano, mas cegar-nos-iam se transcurassem este ensinamento fundamental que nos foi dado desde a origem: a dualidade dos sexos foi querida por Deus, para que o homem e a mulher, juntos, fossem imagem de Deus, e, como Ele, nascente de vida: «crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra» (Gên 1, 28).
Uma leitura atenta dos Profetas, dos Livros Sapienciais e do Novo Testamento, mostra-nos, de resto, o significado desta realidade fundamental e ensina-nos a não a limitar ao desejo físico e à atividade genital, mas a descobrir nela o carácter complementar dos valores do homem e da mulher, a grandeza e as fraquezas do amor conjugal, a sua fecundidade e a sua abertura ao mistério do desígnio do amor de Deus.
Este ensinamento conserva ainda hoje todo o seu valor e imuniza-nos contra as tentações de um erotismo destruidor. Este fenómeno aberrante deveria, pelo menos, pôr-nos em guarda contra o perigo de uma civilização materialista, que pressente, obscuramente, neste domínio misterioso, como que o último refúgio de um valor sagrado.
Saberemos nós arrancá-lo ao abuso da sensualidade? Saibamos pelo menos, perante uma expansão cinicamente levada a efeito por algumas indústrias ávidas, aniquilar os seus efeitos nefastos nos jovens. Sem obstáculos nem compressões, trata-se de favorecer uma educação que ajude a criança e o adolescente a tomarem consciência, progressivamente, da força dos impulsos que despertam neles, de os integrar na construção da sua personalidade, de dominar as suas forças ascendentes, para realizarem uma completa maturidade afetiva e também sexual, de se prepararem, assim, para o dom de si, num amor que lhes dará a sua verdadeira dimensão, de maneira exclusiva e definitiva.
A união do homem e da mulher difere, na verdade, radicalmente, de todas as outras associações humanas e constitui uma realidade singular, ou seja, a união fundada na doação mútua dos cônjuges: « e os dois serão uma só carne » (Gên 2, 24).
Unidade, cuja indissolubilidade irrevogável é o selo colocado sobre a união livre e mútua de duas pessoas dotadas de liberdade que, « portanto, já não são dois, mas uma só carne » (Mt 19, 6): uma só carne, um casal, poder-se-ia quase dizer, um único ser, cuja unidade assumirá uma forma social e jurídica por meio do matrimónio e se manifestará por uma comunhão de vida, cuja expressão fecunda é o dom carnal. Quer dizer que,
Com o matrimónio, os esposos exprimem uma vontade de se pertencerem um ao outro para toda a vida, e de contraírem, para este fim, um vínculo objetivo, cujas leis e exigências, muito longe de serem um servilismo, são uma garantia e uma proteção, um verdadeiro amparo, como vós próprios verificais nas vossas experiências quotidianas.
Na verdade, a doação não é uma fusão. Cada uma das personalidades permanece distinta e, longe de se dissolver com a doação mútua, afirma-se e aperfeiçoa-se, aumenta com o decorrer da vida conjugal, segundo esta grande lei do amor: dar-se um ao outro para se dar juntamente.
O amor é, realmente, o cimento que dá solidez a esta comunidade de vida e o entusiasmo que a arrasta para uma plenitude cada vez mais perfeita. Todo o ser participa dela, nas profundezas do seu mistério pessoal e dos seus componentes afetivos, sensíveis, carnais e também espirituais, até constituir, cada vez melhor, esta imagem de Deus, que o casal tem a missão de encarnar na sucessão dos dias, tecendo-a com as suas alegrias e com as suas preocupações, dado que o amor é, realmente, mais do que o amor.
Não há nenhum amor conjugal que não seja, na sua exultação, entusiasmo para o infinito, e que não deseje ser, no seu entusiasmo, total, fiel, exclusivo e fecundo
(cfr. Humanae Vitae, n. 9).
É nesta perspectiva que o desejo encontra o seu pleno significado. Meio de expressão e, também, de conhecimento e de comunhão, o ato conjugal mantém e fortifica o amor e a sua fecundidade, leva o casal ao seu pleno desenvolvimento: torna-se, à imagem de Deus, fonte de vida.
O cristão tem consciência disto: o amor humano é bom na sua origem e, embora esteja, como tudo o que existe no homem, ferido e deformado pelo pecado, encontra em Cristo a sua salvação e a sua redenção. Aliás, não é esta a lição de vinte séculos de história cristã ? Quantos casais encontraram, na sua vida conjugal, o caminho da santidade, nesta comunidade de vida, que é a única fundada num sacramento!
(...)
Continua
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